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segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Texto de apoio: O Socialismo. Por Plínio de Arruda Sampaio.


O SOCIALISMO

Os iniciadores do socialismo provinham de duas tradições ideológicas: a iluminista, do século XVIII, e a cristã[1].
Na França, por ocasião do levante de fevereiro de 1848, adeptos das duas ideologias lutaram juntos contra a aristocracia, tanto que o Presidente da Assembleia Revolucionária foi um socialista católico, Pierre Buchez[2]. Nessa mesma ocasião, o grande intelectual cristão Frederico Ozanam proclamou que o lugar da Igreja era ao lado dos trabalhadores.
[...]
No final do século XIX, os cristãos favoráveis à revolução criaram partidos democrata-cristãos, um meio termo entre capitalismo e socialismo. Esses partidos conquistaram muita força após a Segunda Guerra Mundial, mas foram incapazes de dar solução aos problemas criados pelo capitalismo. A crise dos anos 1980 eliminou-os do panorama político, tragados pela ofensiva reacionária dos neoliberais. Em consequência disso, os grupos mais radicais dessa formação política deixaram a democracia cristã e adotaram o socialismo.
O socialismo é o regime de transição do capitalismo para o comunismo, que prega uma sociedade realmente igualitária em que não há necessidade de existir um Estado e na qual os seres humanos usufruem total liberdade.
No socialismo realiza-se a substituição do modo de produção capitalista pelo modo de produção socialista, que consiste fundamentalmente em trocar a produção de mercadorias para venda nos mercados pela produção de bens de uso para atender às necessidades da população. No modo de produção socialista, portanto, a economia produz bens de uso e não mercadorias.[3] O instrumento para verificar as necessidades da população e providenciar a produção dos bens requeridos para atendê-las é o planejamento global da economia.
A mudança do socialismo para o comunismo não tem data marcada e pode demorar muito tempo para concretizar-se, pois o funcionamento adequado do regime comunista supõe outro tipo de ser humano, muito mais culto, generoso e solidário do que o ser humano que existe no atual estágio de desenvolvimento ético e espiritual da humanidade.
Os princípios básicos do socialismo são: propriedade coletiva dos bens de produção mais relevantes (fabricas, fazendas, casas de comércio,  bancos); planejamento global da produção; mecanismo de controle público sobre os preços estratégicos; pleno emprego de toda a força de trabalho e distribuição da produção de acordo com as necessidades de cada um.
Uma república democrática socialista é a forma de organização do Estado em fase de transição. Trata-se de um Estado de direito, isto é, um Estado em que o poder politico se subordina à lei, no qual se assegura a plena participação de todas as pessoas nas decisões políticas (ou seja, nas decisões relativas à ação do Estado)[4].  
Essas duas concepções opostas sobre a forma de organização da sociedade – capitalismo e socialismo -, ao se concretizarem ao longo da Historia, não conseguiram realizar plenamente os modelos ideais em que se baseiam.
A democracia burguesa, por exemplo, jamais foi completa, porque a desigualdade econômica entre as classes sociais faz com que a igualdade politica que apregoa seja apenas formal. Além disso, vale enfatizar que o compromisso da burguesia com o regime democrático sempre foi apenas formal, pois todas as vezes em que o jogo democrático apresentou risco de perda de sus privilégios, ela não vacilou em substituir a democracia pela ditadura. Foi o que se viu, no Brasil, em 1964, no Chile, em 1973, e em quase todos os demais países do continente sul-americano na década de 1970.
O mesmo se deu com as primeiras experiências de implantação do socialismo: o regime soviético que vigorou na Rússia de 1917 a 1991, e o regime comunista chinês, no poder na China desde 1947[5].
O regime soviético não conseguiu transformar a produção de mercadorias em produção de valores de uso, ou seja, não implantou a economia socialista. De acordo com o filosofo marxista Iztván Mészáros, foi isso que matou o regime, pois, preso a lógica interna do processo de acumulação sem fim de capital, o socialismo soviético não teve condições de criar uma sociedade verdadeiramente igualitária, e, portanto,  de implantar um regime verdadeiramente democrático na Rússia.
Na realidade, o regime soviético foi um “capitalismo de Estrado”, e também não conseguiu implantar um Estado de direito socialista, pois transformou-se em um Estado totalitário.
O regime chinês – depois do fracasso da Revolução Cultural dos anos de 1960 – desistiu de implantar um regime socialista. Manteve a ditadura do Partido Comunista sobre todo o povo, mas abriu a economia para a produção privada. Ao fazê-lo, reintroduziu a desigualdade social e a corrupção na sociedade chinesa. Por isso, não se pode dizer que a China seja um país socialista.
Hoje em dia, vários autores socialistas criticam os erros cometidos pelos dirigentes da Revolução Russa na condução do processo revolucionário e colocam o respeito à lei e ais direitos dos cidadãos como elemento básico do verdadeiro regime socialista.


Fonte:
SAMPAIO, Plinio Arruda. Por que participar da política? São Paulo. Editora Sarandi, 2010. p. 46_48.



[1] Chama-se iluminismo o movimento intelectual de rebeldia contra a hegemonia do pensamento religioso que prevaleceu na Idade Média. Os iluministas acreditavam apenas na razão. O que não fosse racional era considerado acientífico, atrasado, incompatível com o progresso. Entre as figuras exponenciais do Iluminismo estão Voltaire, Descartes, Rousseau e Jhon Lock.
[2] A revolta burguesa e proletária contra a aristocracia estendeu-se como fogo no palheiro por todos os países da Europa. De fevereiro a junho de 1848, todas as cabeças coroadas europeias foram depostas por movimentos desse tio. Esta onda revolucionária, chamada desde então de Primavera dos Povos, repercutiu até no Brasil, onde a Revolução Praieira, em Pernambuco, baseou-se nas propostas das rebeliões europeias. Porém, de junho a dezembro do mesmo ano de 1848, em razão da traição da burguesia contra seus aliados proletariados, todos os governos aristocráticos restabeleceram-se o poder.
[3] Essa distinção foi feita por Marx em O Capital.
[4] Nessas alturas o leitor está em dúvida a respeito da democracia socialista porque se lembra do que aconteceu na União Soviética. Isso será explicado logo adiante.
[5] O regime comunista cubano também é acusado de totalitário. Contudo, é preciso colocar a discussão desse assento em um contexto adequado. Cuba vive sob o dilema de instituir um sistema democrático de governo porque, no dia mesmo em que isso acontecer, o governo norte-americano inundará Cuba com dinheiro e propaganda, a fim de que os exilados cubanos que vivem na Flórida elejam a maioria dos deputados, derrotem o governo revolucionário e façam Cuba retroceder ao tempo em que era conhecida como “o prostibulo das Américas”. Ao mesmo tempo, a falta de democracia operária no regime cubano, aliada ao isolamento econômico internacional, alimenta o desgaste do regime em vigo desde a vitória revolucionária de 1959.

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